O que eu posso falar… a apenas um ano atrás a gente nem sabia velejar e agora, acabamos de cruzar um oceano! Simples assim. Estamos mais do que contentes com a performance do Ipanema e sentindo uma sorte e gratidão enorme por poder ter concluído essa travessia sãos e salvos e conquistado mais um sonho.
As pessoas nos perguntam o que é que a gente faz durante as travessias?! Bom, para ser sincero, além de curtir a companhia um do outro, entreter o Feijão, velejar, pescar, cozinhar, ler, dormir e admirar o planeta (as ondas, o vasto oceano, os golfinhos, os peixes voadores, as estrelas cadentes, o nascer e por do sol e da lua a cada dia/noite) não fazemos muita coisa. Eu penso na vida. Penso nas minhas escolhas do passado e nas pessoas. Penso na minha família, meus avós que já faleceram, meus antigos e novos amigos. Também ouço muita música e presto uma atenção diferente nelas, é interessante como nosso gosto muda e como algumas músicas agora tem um significado completamente diferente, é difícil explicar. Também penso bastante no Brasil, no Rio de Janeiro, e como é complexo e complicado esse mundo que a gente vive. Também penso como a vida é injusta para tanta gente, penso porque que nós conseguimos e merecemos tirar esse tempo para curtir a vida, e penso como podemos retribuir algum dia.
Algumas pessoas importantes na nossa vida nos ajudaram a conquistar esse sonho e fazer ele tornar realidade, e seremos eternamente gratos. Por isso decidimos escrever um novo post com algumas coisas que aprendemos nesse ultimo ano, quem sabe não motivamos e inspiramos alguns malucos por ai a seguirem os seus sonhos também?
Em relação a travessia em si, esse terceira (e maior perna) foi bem tranquila. O tempo, o barco e a tripulação se portaram super bem. Começamos com um vento bem forte e foi só lá pelo quarto dia que pudemos subir um pouco as velas mais do que o tamanho mínimo. Claro que estávamos sendo extra cuidadosos com tudo e certamente não erámos o barco mais rápido do Atlântico por causa disso, mas também não estávamos com pressa. Foi no quinto dia que as ondas e o vento começaram a diminuir. Quando chegamos perto de Barbados tínhamos apenas uma pequena brisa e usamos muito a gennaker. No final, a gennaker com a genoa abertas para lados opostos em estilo “borboleta”. Estamos muito orgulhosos em poder dizer que velejamos praticamente o caminho inteiro, usado o motor poucas vezes, a não ser para carregar as baterias durante a noite e ajustar as velas quando preciso.
E quanto a tripulação, outra vez tivemos muita sorte. Conseguimos manter esse nosso estilo de vida recebendo hospedes que contribuem com parte dos custos, certamente não é a coisa mais fácil por que nos dá bastante trabalho, mas estamos felizes com a nossa decisão. De que outra forma passaríamos algumas semanas tão perto de um italiano, um dinamarquês e especialmente de dois russos? Uma imersão cultural na veia. Você quer ter uma experiência multicultural? Vem passar um tempo no Ipanema na nossa próxima travessia.
Primeiro tinha o Jens, o Dinamarquês, que eu já apresentei no ultimo post, continuamos encantados com a positividade desse caboclo. Só o fato do sol estar brilhando lá fora já é motivo para ele ficar feliz e celebrar a vida, de preferencia com um copo de vinho gelado. Não vemos a hora de ir fazer kite com ele em Barbados. Ele e o Feijão também viraram melhores amigos, claro que a Sarah e eu ficamos com ciúmes mas já perdoamos os dois – o Feijão por ser família, e o Jens por ter desenvolvido seus dotes de padeiro durante a viagem. Claro que enquanto o Jens preparava a massa do pão, Feijão “o gerente” estava sempre de olho para garantir que ele acertava nos ingredientes.
Depois o Paolo, um Italiano… bem esse cara… eu queria poder dizer que ele é Brasileiro. Ele é realmente um embaixador do seu país e da sua cultura. Atualmente ele está num ano sabático velejando ao redor do mundo e curtindo um pouco a vida. Tenho certeza de que todos os lugares que ele passar vai deixar boas memórias. Ele é um velejador nato, responde super bem a situações de estresse, tem vasto conhecimento e é uma mente brilhante. E como era de se esperar, sabe fazer uma bela macarronada e ama Nutella. A única coisa que não me desce é que ele gosta e defende o iTunes… que em sã consciência gosta do iTunes?!?! Bom, ninguém é perfeito, certo?
E finalmente o Arthur e o Phil, os Russos! Meu… os Russos! Para ser sincero estávamos um pouco preocupados com eles. O que eu posso dizer? Ele são Russos minha gente! Nós crescemos vendo filme de Hollywood onde eles são sempre os vilões, e para piorara o Phil parece um daqueles ex-agente da KGB.
O Phil, além de parecer da KGB (eu ainda tenho lá minhas dúvidas sobre isso) tem uma família linda (mulheres Russas… OMG) e um senso de humor afiado. Ele ama velejar, tem mais milhas náuticas do que eu provavelmente alguma vez terei, incluindo travessias passando pelo Cabo Horn, Triangulo das Bermudas e a África do Sul. Para você ter uma ideia melhor ainda do que eu estou falando, esses dois levaram uma vez um barco enorme de Cyprus para as Maldivas e para assustar possíveis piratas da Somália, eles transformaram um bar velho e dois canos numa barricada e canhões de mentira no topo do barco. Deu para imaginar? Além disso tudo uma das coisas que ele mais gosta de fazer é tirar uns dias de férias e viajar para o meio do nada na Rússia para fazer sauna e depois sair lá fora, enfrentando ursos e lobos, para pular numa água abaixo de 0° por um buraco feito no gelo. Certamente não é uma pessoa normal.
O Arthur é uma apaixonado pelo mar, mergulho e pesca, e dentre outras coisas tem uma empresa que organiza férias para mergulhadores nas Maldivas. Eu certamente posso afirmar que por causa dele, durante a nossa travessia, o Ipanema podia facilmente ser comparado a um pequeno barco de pesca Chinês. Ele também sabe como secar o bicho e fazer sopa com a cabeça do peixe (definitivamente não são para mim). E para você ter uma ideia melhor do tipo de cara que ele é, sem nenhum experiência em tecnologia ou eletrônicos, ele conseguiu salvar o telefone de satélite do Phil que tinha levado um banho de água salgada. Ele abriu o negócio, limpou, secou, concertou, fechou e fez o aparelho voltar a funcionar! Tenta só levar teu iPhone numa loja da Apple com algum indicio de que foi molhado para ver a reação dos “técnicos” deles.
Deu para ter uma ideia dos caras que tínhamos a bordo? Bom, quem mais você acha que teria coragem de cruzar o Atlântico com um casal de brasileiros e um cachorro estranho sem experiência?
E nosso querido Feijulino agora é um pirata do Caribe, que se comporta como um verdadeiro velejador. Acho que ele está até pensando em deixar a barba crescer. A gente ama nosso pançudinho desajeitado cada dia que passa mais e mais, e ele continua sendo o coração e a alma do barco. Agora, além da sua paixão descontrolada por bananas, ele descobriu um novo amor na sua vida – peixe! Principalmente atum. Agora cada vez que ele ouve a vara de pescar zunindo quando a isca é mordida, ele correr para ver o que é pois já aprendeu que certamente alguma coisa deliciosa vai vir. Ele também está se comportando cada vez melhor pelo barco e continua fazendo as suas necessidades bonitinho lá na proa conforme foi ensinado, mas as vezes a gente se arrepende de ter decidido que lá ia ser o lugar, pois mesmo durante a noite com mar mexido, se ele fica com vontade, é para lá que ele corre, e a gente corre atrás com medo dele ser levado junto com algum onda. Mas o doido não está nem ai, vai lá na frente feliz da vida, sem nenhuma preocupação, dá sua agaixadinha e resolve o assunto, sem noção do perigo! O jeito agora é dormir com a porta do barco fechada e as vezes acordar no meio da noite com ele reclamando se precisa ir ao banheiro, pelo menos acompanhamos ele na coleira e as vezes com colete.
Como mencionei no começo, a pescaria foi um sucesso! Já de cara começamos bem, pescando um lindo e delicioso atum logo algumas horas depois de zarpar de Cabo Verde. No dia seguinte pegamos um Jack Fish, depois outro menor, que acabamos perdemos enquanto trazíamos para o barco. Alguns dias depois pescamos um Dourado, e antes de conseguir tirar a segunda vara da água já tínhamos pegado outro, que acabamos por soltar de volta ao mar. A pescaria seguiu assim por boa parte da viagem. O resultado foi que pescamos mais do que precisávamos, e isso porque as varas ficavam fora da água várias horas por dia. Aparentemente pescar é mais fácil do que a gente achava. Tínhamos tanto peixe que os Russo decidiram salgar e secar alguns no sol. Dá para imaginar a cara e felicidade da Sarah com aquele cheiro e o visual de carcaças de peixes penduradas na popa do nosso lindo barco? Pelo menos o Feijão estava bem mais curioso e entretido com aquilo tudo do que a gente. Eu alguns dias até preferia que a gente não pescasse para poder comer minha comida preferida… Espaguete Bolonhesa da Barilla! YUM!
Mas mudando de assunto, umas das coisas que eu aprendi nessa travessia foi olhar pro lado oposto do pôr e do nascer do sol. É como quando a noiva entra na igreja e todo mundo vira para olhar ela majestosa, e esquecem de olhar pra traz para ver o noivo muitas vezes lá suando de nervoso que nem um porco – as vezes é mais legal olhar para o outro lado e ver coisas diferentes. De uma maneira mais ou menos parecida (eu acho) aprendi a olhar para o outro lado e normalmente nessas horas do dia o céu e as nuvens se transformavam em várias cores incríveis… espetacular.
Para resumir, essa travessia foi realmente uma experiência de vida inesquecível! Cruzamos um oceano minha gente!! Afe! Por um lado ficávamos preocupados quando o vento e as ondas aumentavam, só de pensar que se alguma coisa acontece você está no meio do nada, a horas ou até dias da ajuda mais próxima; mas por outro lado, era incrível ter realmente a sensação de uma verdadeira aventura, hoje em dia é tudo tão previsível, controlável e muitas vezes seguro, que não é sempre que podemos nos sentir assim.
E agora, acho que podemos dizer que somos realmente velejadores!! Não acham? Por duas razões: um… cruzamos o Atlântico, e dois… colocamos redinhas para frutas e legumes penduradas na popa do barco, como todo bom velejador que vive a bordo faz. Só que essas redinhas na verdade são uma bela porcaria, depois de três dias todas as nossas frutas já estavam apodrecendo. Frustrante. Mas não importa, o que vale são as aparências, certo? Pelo menos agora temos pinta de quem entende do assunto, e quem viu a gente saindo de Cabo Verde com as nossas frutas bonitinhas penduradas na traseira do barco deve ter achado que a gente manja do assunto.
Bom, e agora, finalmente, terra a vista! Graças a Deus o GPS estava certo e nos guiou até Barbados. Estamos ansiosos para essas próximas semanas. Acho que vão ser demais, as coisas que a gente mais ama estão nos planos: visita de família e amigos para Natal e Reveillon, clima tropical, surfe, kite, mergulho e comida boa, peixes e mariscos. Bom, espero que a gente encontre também uma boa pizza e sorveteria em Barbados.
E agora pessoas, hora de CA-RI-BE! Chegamos aqui de barco cara! Velejando… Dá para acreditar? Hora de “Coconut Freestyle”!